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Formação universal em xeque


No último final de semana, por pura diversão pandêmica, reservei um tempinho para limpar (na verdade, deletar, pois raramente volto a ler) o “catatau” de matérias que havia salvo na aba “favoritos” do meu navegador. Como tento ser minimamente organizado, armazeno artigos em subpastas diferentes e, acho eu, com rótulos significativos, de modo que me façam lembrar algo em algum futuro. Além dos rótulos, acrescento sabores: soft, hard, polêmico, bonito, feio etc. e suas combinações, para que possa acessá-las de acordo com o humor da hora. A ideia desta limpeza era de, na verdade, deletar as de sabor polêmico, pois estou assumindo meu lado zen. Entretanto, uma destas subpastas chamou-me a atenção: Formação em xeque sabor hard+polêmico. Se estava lá, algum motivo havia de ter. A maioria das matérias são excelentes por sinal. Muitas enviadas por conhecidos, algumas recomendadas por sites, outras escritas por GBB San etc. Mesmo com a intenção de ir em frente e detonar as pastas, cometi o erro de dar uma olhada, como que atraído pelo canto de uma sereia, no artigo da Harvard Business Reviews, "Does Higher Education Still Prepare People for Jobs?", ou algo como “O ensino superior ainda prepara as pessoas para empregos?”, enviado pelo homem da PEIEX, João Costa. Resultado: transformou-se no mote para o artigo de hoje.

Entretanto, havia prometido à esposa, amigos e à minha personal university advisor, Susie Macedo, que não me meteria mais nesses assuntos de autoanálise, aqueles que tentam botar um espelho à frente da Universidade, pedindo para que observe seu modelo desgastado. Achava eu que, por ser uma voz autorizada pela própria Academia, poderia de alguma forma contribuir, ser lido ou ouvido. O pleito defendido por meu pessoal era dirigido à saúde, pois apontava que os ganhos viriam em forma de gastrite, aumento da pressão arterial e um fã-clube de desafetos. Este último consegui consolidar, sinalizado pelos convites em forma de “você pode vir aqui para tomarmos um cafezinho?”, emitidos por autoridades da Academia, que “gostariam” de entender melhor meus pensamentos inovadores, convites que à época aconteciam de forma presencial. Foram quatro ao todo. Fui a dois e protelei os outros, por puro cansaço produzido pela obviedade. Hoje a galera manda email.


Mesmo assim, penso que posso adiar minha entrada no idílico mundo do “deixa pra lá” por mais um artigo. Não dá para não falar, pois desejo sempre o aprimoramento da Academia, que forme melhor seus interessados, entregue boas soluções à sociedade, e, por último, que meus filhos poderão ser seus beneficiados ou vítimas, caso a coisa continue assim. Não sou eu quem diz. A sociedade clama pela saída da inércia científica abraçada pela Academia muito antes dessa pandemia político-epidemiológica. Não refiro-me apenas à questão de Mercado, pois acredito que o ensino superior deveria preparar as pessoas não só para os empregos, mas para a vida. Não dá para incutir nas mentes a filosofia de que é possível ser um egresso feliz e desempregado ao mesmo tempo. Todos deveriam ser preparados para encontrar ou criar um lugar no espaço social e sentirem-se minimamente úteis.


Os artigos mostraram-me formatos educacionais acontecendo, a ponto de eu desabafar no estilo laissez faire defendido por Adam Smith, quando falou da mão invisível atuando no Mercado; aponto a mão visível deste, cavando novos caminhos, e nós prostrados. É necessário um ajuste educacional útil e não-hipócrita, pois o estrago está aumentando.

A subpasta “Formação em xeque sabor hard+polêmico”


Algumas matérias que peguei de lá. Coloquei-os aqui por comporem o referencial teórico deste artigo. Não precisam abri-los: os títulos são auto-explicativos.



Um vulcão perto da erupção


Quem quiser entender um pouco da história de formação da universidade brasileira, pode acessar o excelente artigo da pesquisadora Luciane Stallivieri da Universidade de Caxias do Sul. No texto encontra-se a formação inicial, unificação dos saberes, junção de diversidades, integração das faculdades quando, em 1968, tem início a terceira fase da educação superior brasileira com o movimento da reforma universitária, que defendia a eficiência administrativa, estrutura departamental e a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão como mote das instituições de Ensino Superior.


Lá se vão 53 anos e a coisa mudou um bocado. Moore previu e acertou que a tecnologia dobraria a cada 18 meses. Como consequência, tudo que utilizava intensivamente mecanismos digitais sofreu uma ampliação da base de seu conhecimento de modo exponencial; aqueles que utilizavam esses mecanismos indiretamente, viram seu arcabouço informacional crescer linearmente. Os que não usaram, ignoraram ou refutaram tais incrementos digitais, tiveram seus portfólios estagnados e, por reação, criaram resistências. Enquadro no primeiro formato o povo das ciências frias (físicas, tecnológicas, químicas, biológicas, exatas etc.); no segundo, os das sociais aplicadas (administrativas, econômicas, contábeis etc.); no terceiro grupo o pessoal das humanidades (filosóficas, psicossociais, teológicas, políticas etc.), para ser didático. Todos necessários, não há como negar. Entretanto, a Universidade - não só aqui, mas em todo o mundo - buscou tanto trabalhar o radical “uni” e juntar tudo em um mesmo balaio, que o efeito foi o de generalizar-se de uma forma a tornar-se superficial, já que era necessária a flexibilização dos pontos de vista a um extremo capaz de acomodar todos em um mesmo teto.


Em minha visão, a Universidade deixou de ser um lugar de troca saudável de saberes e experimentações - entre os três grupos que citei -, e passou a ser um espaço de alta compressão encapsulado pelo recipiente da tolerância forçada, orçamento único e reitoria formada sempre por grupo homogêneo, quadro responsável, cada vez mais, pelo aumento da frequência dos atritos. E nós sabemos, pessoal: água e óleo não se misturam. Creio que chegou o momento de separarmos bem as coisas, para que possamos ir em frente. Será melhor para todos.


Ajuste educacional útil e suportável


Se chegou até aqui, concordando ou não, me odiando ou aplaudindo, vou ser um pouco mais categórico e estabelecer três sabores sobre os grupos que citei acima. Definirei como do Tipo E (empreendedor) os profissionais com senso de urgência, características autônomas, liberais e empreendedoras. Aqueles que gostam de lidar com o estado da arte, que possuem um tempo longo, mas finito, para testar suas hipóteses e que acham o Mercado uma selva de pedras que não merece sua atenção, enquadrarei no Tipo C (cientista). Os que admitem tempo infinito, meta utópica e contemplação de possibilidades iguais para todos instantaneamente, enquadrarei no Tipo F (filósofo).


Não serei leviano a ponto de estabelecer relações entre grupos e sabores, pois a correspondência não é direta, mas posso garantir que existem nove combinações possíveis. Entretanto, e com base nos artigos de minha subpasta, posso dizer que os centros de formação precisam ser remodelados. Sendo bem franco, clamam por separação.


Não há como termos grupos que apreciam sabores diferentes comendo no mesmo prato, pois os vieses, responsáveis pelas escolhas originais dos tipos, são a causa, não a consequência de se escolher uma formação. Os do Tipo E precisam de uma formação imediata “no” e “para” o Mercado, mantidos por entes privados. Os do Tipo C, de centros de pesquisa no formato PPP (parceria público-privada), pois interessam a ambos setores. Os do Tipo F deveriam ser mantidos pelo setor público, pois lidam com questões de julgamento valorativo. Não há mais como juntar tudo numa mesma abóbada e acreditar, como antes, em uma formação universal. Temos que tornar o ambiente educacional suportável para que volte a ser útil.


Finalizando...


Como promessa é dívida, este foi meu último artigo semi-polêmico que tangencia o nome da Universidade. Não se preocupem: já deletei a pasta com este sabor.


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